O paciente com câncer e a necessidade de cuidados intensivos

Claudia Teixeira Santos da Silva – Rio de Janeiro / RJ

Especialista em Nutrição Oncológica pela SBNO – Rio de Janeiro/RJ

 

O paciente com câncer e a necessidade de cuidados intensivos

 

 

O paciente com câncer tem o seu metabolismo alterado, comparado ao indivíduo saudável 1,2. O gasto energético de repouso pode estar reduzido, inalterado ou elevado. Contudo nos pacientes em fase aguda de doença (como é o caso dos pacientes críticos) este gasto tem se mostrado significativamente elevado 3. Dessa maneira, no paciente crítico com câncer lidamos com o hipercatabolismo e o hipermetabolismo, na fase aguda da doença crítica.

A ação do tumor no organismo pode levar, evolutivamente, ao desenvolvimento de desnutrição e de sarcopenia. O tumor produz citocinas pró-inflamatórias capazes de alterar o metabolismo hepático e de promover anorexia, perda de massa muscular, depleção de tecido adiposo, fadiga e depressão. A resposta imune inata do indivíduo é hiper estimulada, favorecendo essa resposta inflamatória sistêmica e suas consequências. Com relação ao consumo alimentar e ao aproveitamento dos nutrientes, devemos, ainda, considerar os possíveis efeitos do tratamento, como xerostomia, disfagia, dor abdominal, constipação e diarreia 2.

A expectativa de vida dos pacientes com câncer tem aumentado devido à evolução das terapias antineoplásicas, ao tratamento multiprofissional, ao aprimoramento das técnicas cirúrgicas, à terapia nutricional em todas as fases do tratamento e ao aumento da detecção precoce dos casos 1, 4. A maior incidência de câncer ocorre na população idosa 5, com muitos pacientes acima de 60 anos necessitando de tratamento e de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) 1. O processo de envelhecimento está ligado a condições como redução do apetite 5, estado inflamatório (inflamaging) 6 e perda de massa muscular 5. Neste contexto, o paciente idoso com câncer e em cuidados intensivos fica sob a ação de todos esses fatores e condições.

Ao menos 15% a 20% dos leitos de terapia intensiva são ocupados por pacientes com câncer 1, 7. Aqueles com câncer hematológico ou com tumores sólidos são os que apresentam maior risco de admissão na UTI. A necessidade desse tipo de cuidado ocorre devido 4: insuficiência renal aguda, infecção por bactérias multi-resistentes, sangramento, complicações cardiovasculares, alterações neurológicas, cuidados pós-operatórios, insuficiência respiratória aguda e sepse (as três últimas sendo as principais). No caso de câncer hematológico ainda há: mucosite, hemorragia alveolar difusa, hipertensão, doença hepática venooclusiva, disfunção cardíaca e a doença do enxerto contra o hospedeiro.

Na UTI, pode ser mais difícil obter todos os dados necessários à conduta nutricional, quando eles não constam do prontuário. Muitas vezes o paciente não tem condições de relatar seu histórico nutricional (peso atual, perda de peso, alterações na ingestão alimentar, etc.) por estar sob ventilação mecânica (VM), sob sedação ou com alterações mentais. Mesmo havendo cama-balança, o peso aferido pode não estar fidedigno por conta de retenção hídrica, por exemplo. Torna-se necessário, então, procurar informações com a família e/ou estimar os valores de peso e de altura 1, 8, 9.

Tendo em conta toda a “guerra fisiológica” a que o paciente com câncer está submetido, é primordial iniciar o acompanhamento nutricional o quanto antes, idealmente, no momento do diagnóstico 2,10,11. O Risco Nutricional deve ser avaliado por meio de instrumentos validados, como a Avaliação Subjetiva Global produzida pelo próprio paciente versão reduzida (ASG-PPP). Para a avaliação nutricional (AN) são indicados instrumentos subjetivos (destaque à ASG-PPP que aborda questões comuns aos pacientes com câncer) e objetivos (avaliações antropométrica, clínica, bioquímica e dietética) 1,2,11,12,13.

No paciente crítico, além dos parâmetros nutricionais, devemos considerar a gravidade da doença na avaliação do risco nutricional. Os três instrumentos que atendem esse critério são a NRS-2002, o Nutrition Risk in Critically Ill (NUTRIC) e o NUTRIC modificado (mNUTRIC), os dois últimos sendo específicos para esta população. O NUTRIC inclui índices prognósticos que consideram parâmetros de monitorização utilizados em UTI. Quanto à AN, a ASG parece ter validade, apesar de não ser específica para uso em UTI 1, 9.  Ainda não há consenso sobre a melhor ferramenta para a AN de pacientes críticos1, porém a ASG-PP parece trazer bons resultados na avaliação dos pacientes críticos com câncer quando seu uso é combinado a parâmetros antropométricos e bioquímicos 14.

É frequente encontrar, na primeira avaliação, o paciente já com sinais de desnutrição como redução do apetite e perda de massa magra e de massa gorda 1,2, 11, 13. O início precoce da terapia nutricional é imperativo para minimizar os efeitos do estado inflamatório e a evolução para quadros de sarcopenia e de caquexia ou para tratá-los, melhorando a qualidade de vida dos pacientes 1,9,11,12. Estudos mostram associação entre perda de massa magra e: efeitos colaterais ao tratamento, reduzindo a tolerância ao mesmo; complicações infecciosas ou não; tempo de VM prolongado; maior tempo de permanência na UTI e no hospital; redução da sobrevida 1, 11.

O acompanhamento nutricional deve ser iniciado tão logo possível, sendo registradas todas as informações relevantes à adequada conduta. O registro e acompanhamento dos parâmetros de AN e de tolerância à terapia nutricional permite a realização de ajustes na conduta e a implementação da conduta nutricional apropriada, quando da eventual necessidade de cuidados intensivos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  3. Ryan AM, et al. Cancer-associated malnutrition, cachexia and sarcopenia: the skeleton in the hospital closet 40 years later. Proceedings of the Nutrition Society. 2016; 75:199–211.
  4. Martos-Benítez FD, et al. Critically ill patients with cancer: A clinical perspective. World J Clin Oncol. 2020; 11(10): 809-835.
  5. Marques RA, et al. Comprometimento do apetite e fatores associados em pessoas idosas hospitalizadas com câncer. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. [Internet]. 2021 [cited 2022 Out 15]; 24(2): e200339. Available from: https://doi.org/10.1590/1981-22562021024.200339
  6. Rea IM, et al. Age and age-related diseases: Role of Inflammation Triggers and Cytokines. Frontiers in Immunology. 2018; 9: 586.
  7. Martos-Benítez FD, Soler-Morejón CD, Lara-Ponce KX, Orama-Requejo V, Burgos-Aragüez D, Larrondo-Muguercia H, Lespoir RW. Critically ill patients with cancer: A clinical perspective. World J Clin Oncol. 2020; 11(10): 809-835.
  8. da Silva CTS. Estimativa das Necessidades de Energia dos Doentes Críticos. [master’s thesis]. Porto: Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação, Universidade do Porto; 2009. 66p.
  9. Campos ACL, et al. Diretrizes Brasileira de Terapia Nutricional. BRASPEN J [Internet]. 2018 [cited 2022 Nov 2]; 33 (Supl 1): 1-46. Available from: http://www.braspen.org/braspen-journal ISSN 2525-7374.
  10. Aprile G, et al. The Clinical Value of Nutritional Care before and during Active Cancer Treatment. Nutrients. 2021; 13: 1196.
  11. Prado, C.M., Laviano, A., Gillis, C. et al. Examining guidelines and new evidence in oncology nutrition: a position paper on gaps and opportunities in multimodal approaches to improve patient care. Support Care Cancer [Internet]. 2022 [cited 2022 Out 20]; 30: 3073–3083. Available from: https://doi.org/10.1007/s00520-021-06661-4
  12. Horie LM, et al. Diretriz Braspen de Terapia Nutricional no Paciente com Câncer e Braspen recomenda: Indicadores de Qualidade em Terapia Nutricional. BRASPEN J [Internet]. 2019 [cited 2022 Nov 3]; 34 (Supl 1): 1-38. Available from: http://www.braspen.org/braspen-journal ISSN 2525-7374.
  13. de Pinho NB (org). I Consenso Brasileiro de Nutrição Oncológica da SBNO. Sociedade Brasileira de Nutrição Oncológica [Internet]. Rio de Janeiro: Edite; 2021 [cited 2022 Dez 15]. 164p. Available from: http://sbno.com.br
  14. Fruchtenicht AVG, et al. Nutritional risk assessment in critically ill cancer patients: systematic review. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(3):274-283.
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