EVIDÊNCIAS SOBRE A UTILIZAÇÃO DO HMB NA ONCOLOGIA

 

Raquel Goreti Eckert Dreher

Especialista em Nutrição Oncológica pela SBNO / Cascavel – PR

 

EVIDÊNCIAS SOBRE A UTILIZAÇÃO DO HMB NA ONCOLOGIA

 

A partir do diagnóstico, o paciente com câncer é submetido a diversos protocolos de tratamento, que incluem, dentre outros, a quimioterapia, radioterapia e cirurgia. Estes, por sua vez, estão relacionados a efeitos adversos que favorecem a depleção do estado nutricional do paciente oncológico, contribuindo para o desenvolvimento da caquexia. Além disso, o próprio tumor está relacionado a maior mobilização de reservas musculares e lipídicas, além de alterações importantes no metabolismo energético, agravando ainda mais a caquexia associada ao câncer, também denominada caquexia tumoral1,2.

A caquexia está relacionada às diversas complicações para o indivíduo com câncer, incluindo pior prognóstico, menor tolerância ao tratamento e maior mortalidade. Sendo assim, é eminente a busca por novas alternativas terapêuticas, que possam atenuar a ocorrência da caquexia, tendo em vista que a continuidade do tratamento oncológico depende da condição clínica do paciente e da manutenção do seu estado nutricional2. Neste sentido, o β-hidroxi-β-metilbutirato (HMB) foi alvo de diversas investigações, tendo sido relatado que o mesmo é capaz de promover o ganho de massa muscular em atletas, bem como de exercer efeito anticatabólico em idosos acamados. Nos últimos anos, seu efeito anti-inflamatório também vem sendo discutido3,4.

O β-hidroxi-β-metilbutirato (HMB), também chamado de ácido β-hidroxi-isovalérico, ou ainda ácido 3-hidroxi-3-metilbutírico (nomenclatura IUPAC), é um metabólito da leucina (LEU), produzido in vivo no citosol pela via do ácido α-cetoisocaproico (CIC)5. Este resíduo de aminoácido tem sido amplamente utilizado para promover o ganho de massa muscular e força, especialmente em atletas, com ingestão que varia de 1,5 a 3 gramas/dia6.

Diversas hipóteses foram propostas para elucidar o mecanismo de ação do HMB para síntese e preservação da massa muscular, destacando-se o aumento da síntese proteica relacionada à elevação do fator de crescimento semelhante a insulina tipo 1 (IGF-1) e sinalização da via alvo da rapamicina (mTOR), bem como a redução da proteólise muscular por inibição do sistema ubiquitina proteassoma e das caspases7.

Em cultura de células8 e ensaios com animais9, foi demonstrado que o HMB aumentou a expressão do IGF-1 e do hormônio do crescimento (GH), postulando que este pode influenciar a relação entre os mioblastos e marcadores de diferenciação celular. Em um estudo desenvolvido por Eley e colaboradores10, também foi observado que o HMB inibiu a apoptose e a degradação proteica induzida por fator de necrose tumoral alfa (TNFα), interferon e angiotensina II, em cultura de células de mioblastos (C2C12), ao inibir a atividade das caspases 8 e 3, bem como ao atenuar a formação de espécies reativas de oxigênio (EROs).

Até o presente momento, existem alguns estudos pré-clínicos na literatura que avaliam os efeitos do HMB na redução/atenuação da caquexia. Na investigação realizada por Smith e colaboradores11, o HMB atenuou a degradação proteica e promoveu aumento da síntese de proteínas em camundongos com o tumor MAC16 suplementados com doses de 0,25 a 2,5 g/Kg. Ainda, em cultura celular de miotubos e modelo animal de caquexia oncológica, verificou-se que o HMB atenuou a depleção muscular induzida pelo fator indutor de proteólise (PIF)11,12.

Em relação aos estudos clínicos, até o presente momento, não foram identificados trabalhos que avaliaram o efeito do HMB de forma isolada no músculo de pacientes com diagnóstico oncológico13, apenas estudos em que o HMB foi associado a alguns aminoácidos14-16.

Nesse sentido, um estudo realizado por May e colaboradores15 demonstrou que em pacientes com câncer avançado, a administração de um suplemento contendo HMB (3g/dia), arginina (14g/dia) e glutamina (14g/dia) foi efetivo para induzir um ganho significativo de massa muscular em relação ao grupo controle. Em contrapartida, em um grupo de pacientes oncológicos com perda de peso desde o início do tratamento, Berk e colaboradores14 encontraram apenas uma tendência de aumento de massa magra no grupo que recebeu um suplemento nutricional contendo HMB, arginina e glutamina. Ainda, em outra investigação16 incluindo pacientes com tumores abdominais, a suplementação de HMB (1,2g/dia), arginina (7g/dia) e glutamina (7g/dia) durante três dias antes e sete dias após uma intervenção cirúrgica, não promoveu diferença na massa muscular entre os grupos avaliados (intervenção versus placebo).

Com o intuito de avaliar o efeito do HMB isolado na atenuação da caquexia tumoral, durante o doutorado desenvolvemos um estudo com camundongos Balb-c implantados com Tumor Ascítico de Erlich (TAE) e tratados com Doxorrubicina e HMB. Os dados originais estão em fase de publicação em um periódico internacional.

Em suma, os resultados obtidos demonstraram que o tratamento com Doxo exerceu atividade antitumoral, porém não foi capaz de impedir o desenvolvimento da caquexia induzida pela implantação das células do Tumor Ascítico de Ehrlich (TAE). Já a associação Doxorrubicina e HMB (Doxo+HMB) exerceu efeito antitumoral ao induzir a ocorrência da via intrínseca da apoptose em um mecanismo que envolveu o aumento da expressão de p53 e a redução da expressão de COX-2, reduzindo a inflamação sistêmica causada pela Doxo administrada isoladamente. Além disso, a associação Doxo+HMB reduziu os níveis de interleucina 1 beta (IL-1β) no gastrocnêmio, retardando o processo inflamatório muscular, diminuindo o catabolismo proteico e acarretando a preservação da massa muscular. Por fim, a indução de apoptose nas células do TAE associada ou não à redução do catabolismo proteico, teve como consequência a redução da inflamação sistêmica, a qual promoveu uma diminuição do catabolismo lipídico e a preservação da massa adiposa.

Em conclusão, em camundongos os dados obtidos mostram que a associação Doxo+HMB, além de sustentar o efeito antineoplásico da doxorrubicina, foi capaz de atenuar a caquexia induzida pela implantação tumoral, sendo necessário novos estudos em humanos para prescrição com esse objetivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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